terça-feira, 30 de julho de 2013

Entrevista: Karina Buhr

Karina Buhr: direto ao ponto

KARINA BUHR é um dos principais nomes da nova geração de compositoras brasileira. A baiana que cresceu em Recife começou no Comadre Fulozinha, um coletivo de artistas, e partiu para a estreia solo em 2010. De imediato, Karina foi celebrada como uma das mais incisivas vozes de sua geração, além de ter sido reconhecida não só pela incendiária performance de palco que a caracteriza, como também pela postura mais agressiva e direta nas letras e nas causas que defende, entre elas, o feminismo.
Em 2012, Karina lançou o projeto “Sexo Ágil” no Dia Internacional da Mulher (08 de Março), tentando justamente alertar para o machismo escondido em comportamentos do cotidiano, tanto de homens quanto de mulheres. Na entrevista a seguir, Karina revela essa característica marcante, fala com propriedade sobre aquilo que a incomoda e discorre sobre como a arte pode contribuir para promover mudanças.

Revista Mátria – Quando se trata de igualdade de gênero, você tem uma das atuações mais notáveis e intensas seja nas letras, seja na performance de palco, seja até na sua participação na prática e nas redes sociais. Como todos esses pontos convergem para uma luta direta e indireta contra o machismo e o preconceito?
Karina – Isso faz parte do dia a dia de todos nós. Esse assunto tem que ser discutido sem cessar, todos os dias das nossas vidas, entre homens e mulheres. Esse é o único jeito das mudanças acontecerem. É tão da nossa cultura essa agressão – vinda dos homens para as mulheres e das mulheres contra elas mesmas – que já se tornou quase natural, e é triste perceber esta realidade a cada minuto. Como também é triste ver mulheres aceitando tais práticas, ou chamando de “feminista chata” quem luta contra isso.
RM – Ainda faz sentido falar em “machismo” na música popular brasileira atual?
K – Infelizmente, faz todo sentido. A música popular brasileira não está fora da nossa tradição popular machista. Música é tida como coisa de homem, as mulheres têm até o direito de participar, mas num lugar bem menor, sem dividir o papel de agente motor das coisas. Os homens são gênios, as mulheres são as musas. Homens respeitadíssimos no que fazem podem existir um sem número deles, já às mulheres é reservado o lugar da disputa, mesmo que isso não seja verdade, de jeito nenhum, entre elas, a mídia cria uma disputa eterna e sempre as desvaloriza, a todas elas, sem exceção, mudando o tom de acordo com as situações.
O discurso é de que os grandes compositores são so homens e as mulheres..., “ah...existe até uma que compõe bem, mas o que faz são composições ‘de mulheres’”, elas são um setor especial, inferior. É assim que é, como se assim verdadeiramente fosse.

RM – Como o machismo da sociedade reflete no campo artístico?
K – Reservando aos homens o papel de gênio e às mulheres o de seguidoras de algum gênio homem. Limita a ação das mulheres. Os “grandes”, tanto quanto na ciência, são homens. Para as mulheres existe um setor especial, como falei na resposta anterior. É triste, agressivo e opressor, como em todos os outros setores da nossa vida.
RM – Como você sente a recepção e a abordagem do público e da mídia ao trabalho das cantoras, nos últimos anos?
K – Existe uma tendência a colocar todas as mulheres no mesmo balaio e também de chamar todas de cantoras, mesmo quando algumas são bem mais compositoras do que cantora,s como é o meu caso e de outras também. Não há nenhum problema em ser “só” cantora, claro. Mas, não deixa de ser uma maneira de minar nossas ideias, nossas criações e nos colocar num patamar apenas de análise das potencialidades vocais. Sendo que a arte a comunicação na arte vão muito além disso. Mulheres que fazem trabalhos completamente diferentes uma das outras são tratadas de maneira igual e como se fizessem a mesma coisa.
RM  - Fale um pouco sobre a origem e o objetivo do seu projeto “Sexo Ágil”.
K – A origem é tudo isso sobre o que a gente falou antes. É desde pequena não conseguir entender nem concordar com nada no que diz respeito ao tratamento diferente dado a homens e mulheres. E é viver isso até hoje.
            Queria jogar bola e não podia, queria surfar e não podia, andar de skate e não podia (Que bom que isso tudo está mudando!). Tem que namorar pouco, enquanto os meninos namoram muito e são incentivados a fazer mais e mais, tem que ser educada, mais do que os meninos, tem que ser meiga, usar roupas comportadas. Ou também ter obrigatoriamente que usar batom, salto alto, arrumar cabelo, porque isso é “coisa de menina”.
            Sempre quis fazer algo no dia 8 de março (Dia Internacional da Mulher), porque não engulo quando chega essa data e as mulheres recebem rosas “pelo seu dia”. Meu dia é todo dia, não quero rosa de “dia da mulher”. Conheço as razões históricas da data, como marco importante em torna das conquistas das mulheres, mas não aguento mais ser tratada como exceção.

RM – Recentemente, o Distrito Federal incluiu de forma oficial a matéria sobre direito das mulheres no currículo escolar. Como você vê a importância de iniciativas como essa e como isso pode ser tratado na escola por meio da arte?
K – Isso é muito importante, sempre num sentido de mostrar igualdade e não ressaltar as ditas características femininas. Um aspecto que sempre me incomodou (inclusive quero abordá-lo no próximo Sexo Ágil – quero fazer outros - ), é o fato de se estudar história nas escolas sem nenhuma referência à matança histórica de mulheres, em todas as épocas, e a violência e a discriminação contra elas.
As crianças precisam saber o porquê de serem homens a grande maioria, a quase totalidade, dos grandes gênios da ciência e das artes que se fizeram conhecidos e imortalizados! É extremamente absurdo um fato como esse não ser esclarecido desde sempre, na escola.

(*) Entrevista publicada originalmente na revista Mátria, Vol. 1, nº 11, Edição 2013.


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