terça-feira, 2 de outubro de 2012


EDUCAÇÃO BRASILEIRA: RIR PARA NÃO CHORAR?
Marcos Bagno


Enquanto prossegue a longa greve dos professores das universidades federais (uma enorme decepção para os que pensávamos que os governos populares fariam esforços para corrigir 500 anos de descaso no campo da educação), procuro entender de que modo certos hábitos refletem o elitismo que sempre tem caracterizado o nosso acesso à cultura letrada. Com irritante frequência, alguém publica nas redes sociais fotos de placas, letreiros, catazes etc. contendo erros de ortografia. Logo essas fotos são compartilhadas por milhares de pessoas, acompanhadas de comentários do tipo “pobre português”, “vamos salvar nossa língua”, “onde está nossa educação?” e outras bobagens da mesma ordem. Mas esses comentários são os menos numerosos: os que de fato dominam essas postagens são do gênero “rs”, uhahuahua” ou “kkkkk”, quando não o estúpido “lol”, que só faz sentido para os falantes de inglês.

O elitismo dessas postagens e os seus comentários é evidente porque ignora solenemente alguns fatos óbvios e trágicos. O primeiro deles é que essas placas e letreiros são produzidas por pessoas com baixíssima escolarização e, portanto, pertencentes às camadas sociais mais desprestigiadas da nossa população, que ainda são maioria num país que, apesar de alguns avanços, apresenta índices escandalosos de desigualdade econômica. Ninguém que escreveu esses letreiros estava querendo errar de propósito para provocar risos: estava simplesmente tentando acertar, usando o pouco que sabe da ortografia oficial para anunciar algum serviço ou vender algum bem. O segundo fato é que há dez anos consecutivos, os índices de letramento dos brasileiros permanecem horrorosamente os mesmos: apenas 25% da nossa população entre 14 e 65 anos é capaz de ler e assimilar um texto de complexidade mediana e de realizar cálculos matemáticos mais complexos. Vendo pelo outro ângulo, 75% dos brasileiros são analfabetos plenos ou analfabetos funcionais, o que dá quase 150 milhões de pessoas, um número superior à população inteira do México, por exemplo, ou igual à soma das populações da França e da Alemanha.

Também se percebe esse elitismo no fato de que as mesmas pessoas que se divertem com os erros dos analfabetos funcionais emitem seus comentários cometendo erros tão ou mais graves que os de seus compatriotas pouco letrados. Ou seja: o erro é sempre do outro, o do que está abaixo na escala social.

A educação brasileira é uma grande farsa. E 90 por cento da nossa educação superior, pelo menos aquela que deveria formar educadores, é uma imensa picaretagem. Falo de dentro do sistema, por isso não posso ser acusado de não conhecer as entranhas do monstro. Pessoas saem diplomadas a rodo, por exemplo, como professores de língua(s) sem a mais remota condição de ensinar, já que seu conhecimento é ralo e raso. Em qualquer país decente jamais receberiam um diploma.

E a coisa prossegue na pós-graduação. Senão, vejamos: “Para esse estudioso, a partir do momento em que a língua se torna posse de todos, foge do controle daqueles que a cria. Todavia, Saussure alerta que a unidade linguística pode ser destruída quando um idioma natural sobre a influência de uma língua literária, que ocorre sempre que o povo alcança certo grau de civilização”. Isso era para ser uma tese de doutorado. Por que rir de quem escreve “A Flor do Zinco” por “afrodisíaco”, sendo semianalfabeto, e não chorar diante de uma “tese” produzida por alguém que se diz docente de língua portuguesa?

FALAR BRASILEIRO
Caros Amigo, setembro 2012, p. 6

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