EDUCAÇÃO
BRASILEIRA: RIR PARA NÃO CHORAR?
Marcos
Bagno
Enquanto prossegue a
longa greve dos professores das universidades federais (uma enorme decepção
para os que pensávamos que os governos populares fariam esforços para corrigir
500 anos de descaso no campo da educação), procuro entender de que modo certos
hábitos refletem o elitismo que sempre tem caracterizado o nosso acesso à
cultura letrada. Com irritante frequência, alguém publica nas redes sociais
fotos de placas, letreiros, catazes etc. contendo erros de ortografia. Logo
essas fotos são compartilhadas por milhares de pessoas, acompanhadas de
comentários do tipo “pobre português”, “vamos salvar nossa língua”, “onde está
nossa educação?” e outras bobagens da mesma ordem. Mas esses comentários são os
menos numerosos: os que de fato dominam essas postagens são do gênero “rs”,
uhahuahua” ou “kkkkk”, quando não o estúpido “lol”, que só faz sentido para os
falantes de inglês.
O elitismo dessas
postagens e os seus comentários é evidente porque ignora solenemente alguns
fatos óbvios e trágicos. O primeiro deles é que essas placas e letreiros são
produzidas por pessoas com baixíssima escolarização e, portanto, pertencentes
às camadas sociais mais desprestigiadas da nossa população, que ainda são
maioria num país que, apesar de alguns avanços, apresenta índices escandalosos
de desigualdade econômica. Ninguém que escreveu esses letreiros estava querendo
errar de propósito para provocar risos: estava simplesmente tentando acertar,
usando o pouco que sabe da ortografia oficial para anunciar algum serviço ou
vender algum bem. O segundo fato é que há dez anos consecutivos, os índices de
letramento dos brasileiros permanecem horrorosamente os mesmos: apenas 25% da
nossa população entre 14 e 65 anos é capaz de ler e assimilar um texto de
complexidade mediana e de realizar cálculos matemáticos mais complexos. Vendo
pelo outro ângulo, 75% dos brasileiros são analfabetos plenos ou analfabetos
funcionais, o que dá quase 150 milhões de pessoas, um número superior à população
inteira do México, por exemplo, ou igual à soma das populações da França e da
Alemanha.
Também se percebe
esse elitismo no fato de que as mesmas pessoas que se divertem com os erros dos
analfabetos funcionais emitem seus comentários cometendo erros tão ou mais
graves que os de seus compatriotas pouco letrados. Ou seja: o erro é sempre do
outro, o do que está abaixo na escala social.
A educação brasileira
é uma grande farsa. E 90 por cento da nossa educação superior, pelo menos
aquela que deveria formar educadores, é uma imensa picaretagem. Falo de dentro
do sistema, por isso não posso ser acusado de não conhecer as entranhas do
monstro. Pessoas saem diplomadas a rodo, por exemplo, como professores de
língua(s) sem a mais remota condição de ensinar, já que seu conhecimento é ralo
e raso. Em qualquer país decente jamais receberiam um diploma.
E a coisa prossegue
na pós-graduação. Senão, vejamos: “Para esse estudioso, a partir do momento em que a língua se torna posse
de todos, foge do controle daqueles que a cria. Todavia, Saussure alerta que a
unidade linguística pode ser destruída quando um idioma natural sobre a
influência de uma língua literária, que ocorre sempre que o povo alcança certo
grau de civilização”.
Isso era para ser uma tese de doutorado. Por que rir de quem escreve “A Flor do
Zinco” por “afrodisíaco”, sendo semianalfabeto, e não chorar diante de uma
“tese” produzida por alguém que se diz docente de língua portuguesa?
FALAR BRASILEIRO
Caros Amigo, setembro 2012, p. 6
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