sábado, 10 de dezembro de 2011

Aula de Poesia e Humanidade

Estatuto do Homem
 (Ato Institucional Permanente)  
                                          A Carlos Heitor Cony 

Thiago de Mello
 
Artigo I Fica decretado que agora vale a verdade.  Agora vale a vida,  e de mãos dadas, marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II Fica decretado que todos os dias da semana, inclusive as terças-feiras mais cinzentas,  têm direito a converter-se em manhãs de domingo.
Artigo III  Fica decretado que, a partir deste instante, haverá girassóis em todas as janelas, que os girassóis terão direito a abrir-se dentro da sombra; e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro, abertas para o verde onde cresce a esperança.
Artigo IV Fica decretado que o homem  não precisará nunca mais duvidar do homem. Que o homem confiará no homem como a palmeira confia no vento, como o vento confia no ar, como o ar confia no campo azul do céu.
Parágrafo único: O homem, confiará no homem como um menino confia em outro menino.
Artigo V Fica decretado que os homens estão livres do jugo da mentira. Nunca mais será preciso usar  a couraça do silêncio nem a armadura de palavras. O homem se sentará à mesa com seu olhar limpo porque a verdade passará a ser servida antes da sobremesa.
Artigo VI Fica estabelecida, durante dez séculos, a prática sonhada pelo profeta Isaías, e o lobo e o cordeiro pastarão juntos  e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.
Artigo VII  Por decreto irrevogável fica estabelecido o reinado permanente da justiça e da claridade, e a alegria será uma bandeira generosa  para sempre desfraldada na alma do povo.
Artigo VIII  Fica decretado que a maior dor sempre foi e será sempre não poder dar-se amor a quem se ama e saber que é a água que dá à planta o milagre da flor.
Artigo IX Fica permitido que o pão de cada dia tenha no homem o sinal de seu suor. Mas que  sobretudo tenha sempre o quente sabor da ternura.
Artigo X Fica permitido a qualquer pessoa, qualquer hora da vida, o uso do traje branco.
Artigo XI Fica decretado, por definição,  que o homem é um animal que ama e que por isso é belo, muito mais belo que a estrela da manhã.
Artigo XII Decreta-se que nada será obrigado nem proibido, tudo será permitido, inclusive brincar com os rinocerontes e caminhar pelas tardes com uma imensa begônia na lapela.
Parágrafo único: Só uma coisa fica proibida: amar sem amor.
Artigo XIII Fica decretado que o dinheiro não poderá nunca mais comprar o sol das manhãs vindouras. Expulso do grande baú do medo, o dinheiro se transformará em uma espada fraternal para defender o direito de cantar e a festa do dia que chegou.
Artigo Final. Fica proibido o uso da palavra liberdade, a qual será suprimida dos dicionários e do pântano enganoso das bocas. A partir deste instante a liberdade será algo vivo e transparente como um fogo ou um rio, e a sua morada será sempre o coração do homem.

Thiago de Mello
Santiago do Chile, abril de 1964

Um comentário:

  1. A eterna luta entre o Prefeito e a Educação.
    O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro.
    A luta entre o Bem e o Mal.

    O Mal, vocês sabem quem é!



    Cafiaspirina

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