quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Linguagem e ideologia

Formas marcadas e não-marcadas

Uma distinção amplamente utilizada nos estudos linguísticos é a que opõe formas marcadas a formas não marcadas. Nessa distinção entre marcado e não-marcado, um dos termos do par é de uso mais amplo e dominante - o não-marcado - enquanto o outro é mais restrito e limitado -  o marcado. Trata-se, como se vê, de uma relação assimétrica. Sua utilidade foi reconhecida também para outras áreas de estudo, como a sociologia, a antropologia e os estudos culturais.

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A noção de marcado e não-marcado extrapolou a área dos estudos linguísticos e passou a ser empregada no exame das relações sociais,  das hierarquias de valores, dos conflitos de poder, das simbologias culturais etc. Uma vez que o não-marcado pode ser considerado "neutro", daí para considerá-lo como o normal a distância é minúscula. De fato, prevalece em nossa sociedade uma oposição entre elementos que constituem pares onde um elemento é tido como a norma (o não-marcado), enquanto o outro se situa fora da norma (o marcado). Assim, em pares como homem/mulher, branco/não branco, vidente/cego, ouvinte/surdo, heterossexual/homossexual, destro/canhoto, fértil/infértil, vestido/nu, cozido/cru, letrado/iletrado etc., a estrutura social vigente tende a nos fazer considerar o primeiro elemento de cada um desses pares como o "neutro", o "óbvio", o "normal", o "natural".

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Em reação a essa visão conservadora, a essa ideologia "naturalizante", um número cada vez maior de pessoas - sobretudo nos países industrializados e, nesses, nos de língua inglesa - tentam impor o que vem sendo descrito como linguagem inclusiva. Isso tem provocado interessantes fenômenos sociolinguísticos capazes de, num breve futuro, alterar a própria morfologia das línguas.

No Brasil, logo após a posse de Dilma Rousseff na presidência da República em 2011, um debate supostamente linguístico emergiu quanto ao uso da palavra presidenta para designá-la. O debate, na verdade, era sociocultural e político. A própria Rousseff declarou que desejava ser chamada de presidenta, para deixar muito bem marcada a significação histórica da eleição de uma mulher ao cargo máximo de um país estranhamente machista. No entanto (e, mais uma vez, não por caso) os grandes meios de comunicação - que, durante a campanha eleitoral se posicionaram contra a candidatura dela, com rarísssimas exceções - têm insistido em usar apenas a forma presidente, muito embora os dicionários (que na nossa cultura normativista tem status de autoridades em questões de língua) registrem há bom tempo a forma presidenta. Nada nesse episódio é inocente: a recusa da forma presidenta é, ao mesmo tempo, machista e politicamente conservadora.

Marcos Bagno
(Gramática de bolso do português brasileiro)

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