DIANTE
DO ESPELHO
Joel
Rufino dos Santos
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Quem
diria que não há política no mundo dos livros? Literatura, filosofia, história,
ciências são sacudidas todo o tempo por lutas políticas. Algumas vezes como
manifestação das lutas políticas gerais, outras por razões específicas, que
nascem e morrem dentro do mundo dos livros. Neste caso, a sociedade sequer toma
conhecimento delas. Os intelectuais se iludem sobre a sua importância; e taxam
de alienação o que é simplesmente prova da alienação deles. Minha mãe me
ensinava a responder assim a quem me chamasse de burro: responda que burro é
quem me chama. Alienado não é o povo, mas quem o chama disso.
E,
entretanto, o mundo dos livros é essencial para a luta política. Nele nascem
como puras idéias, aquelas que se transformam em idéias-forças. Estas idéias-forças
transformam a sociedade ou, ao contrário, ajudam-na a se enrijecer. O melhor
exemplo do primeiro caso é Marx. Cansado de debates filosóficos, não queria
mais pensar a sociedade, mas transformá-la. Passou de aprendiz de filósofo a
mentor de revoluções.
Formas
elementares do mundo dos livros são as categorias, os conceitos e os juízos. Mesmo
quem lê romance apenas para se divertir formula juízos (do tipo gostei, não
gostei). Esses juízos se baseiam na instrução do leitor, na sua personalidade,
sensibilidade, situação de classe etc. não há juízos puros.
Um
dos conceitos políticos do mundo dos livros é “clássico”. Diz-se, por exemplo, “Os
Lusíadas é o maior clássico da nossa língua”. Muitos professores de colégio atormentam
adolescentes com a obrigação de ler os “clássicos”. Alguns, para amenizar a
tarefa, indicam adaptações em que certas passagens mais difíceis são digeridas
para fruição dos alunos.
Mas
o que é “clássico”?
Clássico,
em primeiro lugar, é o que é de classe. Não qualquer classe, mas da classe
dominante. É ela a formadora de opinião e gosto, apresentando essa opinião e
esse gosto como a opinião certa e o bom gosto. Esse significado se vê melhor no
campo da música. Música clássica é a música erudita, sinfônica, de origem européia
– que, em muitos casos, é de origem popular. A outra é apenas música popular.
Em
segundo lugar, clássico é o que deve ser imitado. Quem quer ser escritor, ou
crítico, ou mesmo professor de literatura, deve começar lendo os clássicos – A Odisseia, a Eneida, o Don Quixote e,
se for brasileiro, O Guarani, Dom Casmurro etc. nunca será possível
repetir o talento de um clássico, escrever como Lima Barreto é impossível, mas
dificilmente alguém será um bom escritor se não tentar, conscientemente ou não,
se colocar à altura dele.
Esses
dois significados de clássico não esgotam a definição. Clássico também é também
o livro que sintetiza, em cada época, o saber que a sociedade acumulou. Esse saber
deveria estar à disposição de todos – letrados, analfabetos, acadêmicos,
trabalhadores. Um exemplo é Os Sertões,
de Euclides da Cunha. Nesse clássico o Brasil se colocou, pela primeira vez,
diante do espelho.
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