quinta-feira, 24 de maio de 2012

Leitura

DIANTE DO ESPELHO
Joel Rufino dos Santos
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Quem diria que não há política no mundo dos livros? Literatura, filosofia, história, ciências são sacudidas todo o tempo por lutas políticas. Algumas vezes como manifestação das lutas políticas gerais, outras por razões específicas, que nascem e morrem dentro do mundo dos livros. Neste caso, a sociedade sequer toma conhecimento delas. Os intelectuais se iludem sobre a sua importância; e taxam de alienação o que é simplesmente prova da alienação deles. Minha mãe me ensinava a responder assim a quem me chamasse de burro: responda que burro é quem me chama. Alienado não é o povo, mas quem o chama disso.

E, entretanto, o mundo dos livros é essencial para a luta política. Nele nascem como puras idéias, aquelas que se transformam em idéias-forças. Estas idéias-forças transformam a sociedade ou, ao contrário, ajudam-na a se enrijecer. O melhor exemplo do primeiro caso é Marx. Cansado de debates filosóficos, não queria mais pensar a sociedade, mas transformá-la. Passou de aprendiz de filósofo a mentor de revoluções.

Formas elementares do mundo dos livros são as categorias, os conceitos e os juízos. Mesmo quem lê romance apenas para se divertir formula juízos (do tipo gostei, não gostei). Esses juízos se baseiam na instrução do leitor, na sua personalidade, sensibilidade, situação de classe etc. não há juízos puros.

Um dos conceitos políticos do mundo dos livros é “clássico”. Diz-se, por exemplo, “Os Lusíadas é o maior clássico da nossa língua”. Muitos professores de colégio atormentam adolescentes com a obrigação de ler os “clássicos”. Alguns, para amenizar a tarefa, indicam adaptações em que certas passagens mais difíceis são digeridas para fruição dos alunos.

Mas o que é “clássico”?

Clássico, em primeiro lugar, é o que é de classe. Não qualquer classe, mas da classe dominante. É ela a formadora de opinião e gosto, apresentando essa opinião e esse gosto como a opinião certa e o bom gosto. Esse significado se vê melhor no campo da música. Música clássica é a música erudita, sinfônica, de origem européia – que, em muitos casos, é de origem popular. A outra é apenas música popular.

Em segundo lugar, clássico é o que deve ser imitado. Quem quer ser escritor, ou crítico, ou mesmo professor de literatura, deve começar lendo os clássicos – A Odisseia, a Eneida, o Don Quixote e, se for brasileiro, O Guarani, Dom Casmurro etc. nunca será possível repetir o talento de um clássico, escrever como Lima Barreto é impossível, mas dificilmente alguém será um bom escritor se não tentar, conscientemente ou não, se colocar à altura dele.

Esses dois significados de clássico não esgotam a definição. Clássico também é também o livro que sintetiza, em cada época, o saber que a sociedade acumulou. Esse saber deveria estar à disposição de todos – letrados, analfabetos, acadêmicos, trabalhadores. Um exemplo é Os Sertões, de Euclides da Cunha. Nesse clássico o Brasil se colocou, pela primeira vez, diante do espelho.

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