MADAME
NATASHA É BURRRRA!
Marcos Bagno
Imagem: NFélix |
A
Folha de S. Paulo brindou seus leitores do dia 25 de março último, um domingo,
com duas joias resplendentes da mais límpida ignorância. A primeira, assinada
por Ferreira Gullar, já não surpreende: sempre que o poeta trata de questões
linguísticas, o teor de seus comentários é, como ele próprio assume no texto, “conservador
e reacionário”. A outra pérola veio estampada na página de Elio Gaspari, mais
precisamente quando ele se traveste da pré-científica Madame Natasha. É impressionante
como certos figurões, que posam de grandes letrados ou intelectuais, não tem o
menor pejo de expor sua mais patente ignorância em assuntos referentes a
linguagem e educação. E, pior, de expor ao mesmo tempo sua arrogância. No ano
passado, fomos presenteados com esse festival de bobagens sobre educação e
linguagem quando a mídia inventou uma falsa polêmica em torno de um livro
didático de português, que abordava, como todos os livros didáticos do mercado,
os fenômenos de variação lingüística.
Madame
Natasha, no dia 25 de março, tratou do modo mais estúpido possível a palavra e
a noção de “letramento”. No final, ela diz que “letramento não é nada”., eu
nunca soube que Elio Natasha Gaspari fosse especialista em educação,
antropologia ou lingüística para emitir semelhante opinião categórica. Mas,
como a maioria dos jornalistas, ele3 é especialista em coisa nenhuma e se acha,
assim, livre para escrever baboseiras sobre qualquer assunto.
O
termo “letramento” tem sido empregado no Brasil para definir um processo muito
mais amplo do que o tradicional “alfabetização”. Não se trata simplesmente de
ensinar mal e mal uma criança (ou adulto) a escrever e ler, mas de permitir que
essa pessoa desenvolva e pratique intensamente e extensamente essas capacidades
de escrita e de leitura. “Letramento” é um conceito tão complexo que ele
designa ao mesmo tempo um processo (que se desdobra ao longo de toda a vida),
um produto (o grau de domínio das práticas letradas por parte de um indivíduo),
uma prática e uma teoria. Madame Natasha Gaspari, burrra (com 3 erres) como é,
merece, ela sim, uma bolsa de estudos. Se for estudar em Portugal, descobrirá
que lá a palavra usada é “literacia”, tradução mais direta do inglês “literacy”.
Se for para algum país de língua francesa, encontrará Brás e centros de estudos
dedicados à “litératie”. No Brasil, usamos a palavra “letramento” (termo
introduzido entre nós pela importante lingüista Mary Kato), recuperando uma
palavra que já existia na língua (basta consultar velhas edições do Caldas Aulete)
e atribuindo a ela todos esses novos sentidos. Se Madame Natasha consultar a
página a página da Livraria Cultura, vai encontrar nada menos que 58 obras com
a palavra “letramento” no título toda uma ampla produção de pesquisa em centros
importantes no Brasil e no resto do mundo se dedica a investigar o impacto da
introdução de um indivíduo ou de uma coletividade no universo letrado que caracteriza a
sociedade contemporânea. Mas Madame Elio Gaspari prefere viver na sua
pré-histórica caverna, iluminada somente pelas tochas de sua ignarrogância. Imagino
o susto que vai tomar ao saber que também existe agora o conceito de “numeramento”
ou de “letramento matemático”...
Se
Madame se desse ao trabalho de ler, por exemplo, alguns textos básicos da
grande educadora brasileira Magda Soares, decerto aprenderia muita coisa. Mas quem
disse que jornalista arrogante lê o que quer que seja?
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